artes visuais

Geometrias imperfeitas de Jorge F. Soto

Geometrias imperfeitas

A contextualização geográfica e histórica são de extrema importância para projeção de desdobramentos na compreensão de trabalhos dos artistas. É o caso da série de colagens intituladas “Geometrias imperfeitas” do artista uruguaio, Jorge Francisco Soto. Quem acompanha a sua produção desde o final de 1980 e início de 1990, pode notar a diferença de pensamento e de linguagem, ao comparar com suas instalações como “Losers (Esto no es una pipa)” (2008) onde o artista explora aspectos mais conceituais da matéria colocando em pauta questões sobre contexto social ao trocar na cidade de Montevidéu os cachimbos de crack pertencentes a mulheres toxicodependentes em situação de rua, ou em “Países sin tiempo para la memória” (2014), o qual o artista cria um software que faz a contagem de segundos dos 193 desaparecidos na ditadura no Uruguai. Seria, numa primeira instância, de se surpreender a diferença de estrutura conceitual ao ver “Geometrias imperfeitas”, trabalhos que discutem um aspecto mais formalista, e mais abstrato, ou seja, elementos que se relacionam diretamente com artistas históricos da abstração na América Latina como Joaquín Torres García, Carmelo Arden Quín, entre outros artistas Concretistas e Neo-Concretistas.

Mesmo causando esse estranhamento pelos trabalhos de aspectos mais formalistas trazido por Jorge F. Soto, poucos sabem, entretanto, que no início de 1970, o artista iniciou no universo das artes visuais através da produção têxtil, a qual necessitava de um grande envolvimento de produção e processo manual, direções diferentes dos processos das instalações das quais o processo manual e processo conceitual andam juntas. Seria o caso de um retorno à essa manualidade e a supressão dos aspectos mais conceituais e sociais envolvendo toda essa produção precedente.

O processo desse trabalho, começou com um certo desafio proposto pelo artista de Porto Alegre, Frantz, ao comprar em um leilão uma enorme quantidade de letras set e letra tone, materiais dos quais eram utilizados para o setor do marketing antes dos computadores, ainda nos anos de 1980. A proposta era que Frantz iria distribuir esses materiais a diversos artistas: Paulo Bruscky, Marcelo Silvera, Vera Chaves Barcellos, José Damasceno, André Petry, entre outros, sendo Jorge F. Soto, um dos escolhidos para que pudessem produzir algum tipo de obra. A coincidência, era que Soto estava nesse momento, realizando uma pesquisa sobre o movimento abstracionista do Rio da Plata de Joaquín Torres Garcia, o Universalismo Construtivo e a arte Madí de Carmelo Arden Quín, pesquisa que fora comissionada pelo Museo Nacional de Artes Visuales, MNAV do Uruguai. Além disso Soto tinha trabalhado com esses materiais nos anos 1980 como designer gráfico.

Portanto, havia uma contaminação positiva de todo esse passado histórico no processo de execução das Geometrias imperfeitas. Essas questões já foram exploradas criticamente pelo artista na obra Manifesto, (2011) onde uma mulher se comunica em linguagem de sinais, o Manifesto da Arte Madí de Carmelo Arden Quin, (1944), questionando o descaso de importância desse movimento para o país pelo fato de quase não haver peças em coleções dos museus no Uruguai e de quase todas elas estarem fora do país, indicando a pouca importância cultural dada a esses movimentos.

Soto inicia um diálogo com esse passado criando composições geométricas através da colagem em papel ao desconfigurar essas letras set e tone, portanto as construções geométricas acabam se tornando um índice (index) de letras, nos remetendo às vezes, a uma poesia concreta. Suas composições são muito diversas: em alguns momentos possui uma simetria muito precisa, em outros, adquire uma composição um pouco mais desequilibrada, trazendo formas geométricas, outras vezes utilizando-se da linha como elemento do desenho ou a gestalt como estrutura de imagem, o que lhe garante uma diversidade na confecção de imagens.

Entretanto, é inegável assumir, mesmo diante de um trabalho abstrato, toda carga conceitual trazida ao propor essa dialética com esses movimentos do Universalismo Construtivo e arte Madí com o descaso e a invisibilidade através da pouca importância que essas obras possuem nos países da América do sul. O próprio título Geometrias imperfeitas sugere essa provocação com a ideia do universal trazido pelos quadrados e cores de Mondrian, Malevitch entre outros – e que talvez a imperfeição está em não olhar para as nossas geometrias – tortas – invisibilizadas. É preciso decolonizar o nosso olhar, a nossa história, de acordo com as propostas do pensador argentino Walter Mignolo, e desconfiar do que é universal para olhar para as nossas próprias particularidades. Jorge Francisco Soto não faz um retrospecto dos movimentos do passado, ele traz a história para dialogar e propor novos debates, propor novas formas e discussões.

Allan Yzumizawa
Sorocaba, Brasil. 2019.

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